segunda-feira, 9 de junho de 2014

É, Caio, quem disse que a vida era tranquila?

Caio lembrou o quanto Sara estava longe, naquele momento; houvera se dado conta de que jamais a veria novamente... Apenas para sua própria tristeza, tão somente para cultivar uma saudade que usualmente pareceria nunca cessar.
Palmilhando uma rua punk de uma cidade punk, não podia negar a miséria que contaminava sua alma. Olhou para cima, divisou a lua cheia entre as nuvens negras e secretamente, pediu, implorou por redenção, qualquer que fosse. Entretanto, ele sabia–sentia que Deus nunca existiu, e sentiu que, definitivamente, seria impossível conforto algum para um coração perturbado como o seu...
Entrou em um bar (chique, aliás), e praticamente ordenou ao bartender que lhe entregasse uma garrafa de Johnny Walker. Eis que viu Jezebel sentada a seu lado, e naquele momento percebeu, surpreso, que ela lhe oferecia a chance de cometer todos os pecados.
E então a seguiu para seu apartamento – sentia que sua ansiedade parecia mesmo lhe indicar como se comportar, origem de um desejo pungente. Uma pulsão animalesca lhe ordenava rasgar as roupas de Jezebel, beijá-la, lambê-la, sentir seu sabor, mordê-la, acariciá-la, estapear seu rosto, tudo isso com um único intuito: esquecer a saudade que nutria por Sara, sentimento que agora acreditava irremediavelmente parte permanente de sua alma!

Ao acordar, viu o primeiro raio de sol, a luz primeira da aurora a iluminar a pele tão branca daquela desconhecida, seu cabelo ruivo; ouvia sua respiração. Dirigiu-se a uma janela para poder fumar um cigarro, quando teve a certeza de que continuava tão vazio quanto na noite anterior a tudo aquilo. Surpreendeu-se ao ouvir um Daft Punk, ainda que distante, àquela hora da manhã ("lose yourself to dance...") e sentiu que os próximos dias seriam difíceis. Nada intuía sobre seu futuro emocional imediato, e também nem estava interessado em saber...


Taking a Walk on the Wild Side.

Quarta-feira, seis de novembro de 2013.
Taking a Walk on the Wild Side.

Sábado, dia de finados, de tarde, Porto Alegre. Estava eu subindo a Marechal Floriano Peixoto, rumo a Duque de Caxias, quando me deparo com esse suposto casal, ele louro e bem alto, ela mais baixa que ele, igualmente loura. Eu até iria passar por ambos, só que ha uns vinte metros de mim, o cara vai para o outro lado da rua. Olhei para trás para dar outra olhada nela, e me deparo com o cara em uma atitude, no mínimo, bom nem sei como adjetivar; ele estava com as calças e cuecas abaixadas na parte de trás, deixando a mostra suas nádegas com marcas de bronzeado – marcas de fio dental. Sim, o cara era um gay, em um momento deveras homossexual, isso é o que posso dizer do que ele estava fazendo, mesmo porque foi a primeira vez que vi qualquer homem gay fazer algo assim.
E eis que, então, a “mulher” grita algo para o gay, e pelo seu timbre de voz, outra constatação, “ela”, na verdade, é um homem bastante transexualizado! Todavia, não imaginaria que fosse um transex, o que a/o traiu foi o timbre de voz meio intermediário e o jeito tremendamente afetado e falsamente feminino, que me pareceu associável a um homem gay que passa por todo aquele processo de transexualizaçao. Porém, “ela”, até então, me pareceu ser perfeitamente uma mulher “comum”, digamos assim... Não entendi o que “ela” em voz alta bradava para o outro, e nem quis saber, pois preferi seguir meu caminho.
No segundo seguinte a dar as costas a ambos, me veio à mente a memória de Lou Reed cantando "Walk On The Wild Side", canção em que o falecido nova-iorquino descreve as estorias de dois travestis de fora da Big Apple e de como foram parar na cidade. Se tudo aquilo que vi fosse parte de um filme, essa canção de Reed até poderia ser a melhor trilha sonora disponível para ilustrar toda a situação. Nunca tinha visto algo do tipo em trinta e seis anos de vida e, sinceramente me senti dentro de um daqueles filmes sessentistas de Andy Warhol, se ele os rodasse na atualidade.

Ah, sim a canção: