segunda-feira, 31 de agosto de 2015

A ilusão que é o futebol

                  Neste sábado último (escrevo no domingo, 30-08-15), eu me dirigia a um ponto de ônibus, com o intuito de voltar para casa, após uma não muito necessária ida a um supermercado, quando passei por um clube de futebol; um clube de futebol amador, digamos assim, voltadopara as chamadas "categorias de base" (sub-17, sub 16...) e vislumbrei, além do homem responsável pelo clube naquele momento, uma senhora e mais dois guris, adolescentes provavelmente com idades entre quatorze e dezesseis anos de idade. Deveriam estar "fazendo ficha no clube", ou tentando saber como as coisas funcionam para serem admitidos em seus quadros. Aí me dei conta: tentariam o futebol. Ou melhor: se entregariam à ilusão que o futebol proporciona.
                Eu apenas posso imaginar motivos para tentar uma carreira nesse esporte: ajudar uma família possivelmente de pouquíssimas posses, ou jogar a sorte por acreditarem que será uma saída profissional devido a possivelmente terem passado por uma educação pública de qualidade ruim, ou ainda pela ambição de obter o status, a fama e o dinheiro que conseguem os grandes expoentes do futebol, como Cristiano Ronaldo. Olhando de vislumbre aquela cena, estava claro (pela aparência deles) que certamente estavam ali por um dos dois primeiros motivos que mencionei antes, senão pelos dois complementarmente.

                Senti pena daqueles dois adolescentes. Crer que um clube de sede exígua como aquele seria a "porta de entrada" para uma "redenção" familiar ou profissional é fruto de ingenuidade ou de desespero, e eu prefiro crer no desespero, em casos assim. Precisarão mostrar algum talento para serem aprovados e integrarem as equipes do clube; aquele não é um clube grande como o Vasco, que tem seu próprio "networking": uma rede de empresários, agentes, procuradores, olheiros e escolinhas, a fim de selecionar meninos capazes de jogar futebol em um bom nível para atuarem nas categorias de base e, em dado momento, chegarem ao time profissional.
                Senti pena dos dois, porque quase certamente, se conseguirem ser aprovados e jogarem no sub-alguma coisa do clube, o máximo que alcançarão é atuar em clubes que disputam a Série C do Campeonato Gaúcho, é isso que lhes espera. Depois de jogarem profissionalmente por doze, treze anos em clubes desse patamar, voltarão à estaca zero, sem qualquer formação profissional e sem ter tido ganhos financeiros que lhes permitissem constituir um patrimônio expressivo e uma acumulação considerável de dinheiro.
                Seleção Brasileira, Benfica, Atlético de Madri, ser um "novo" Neimar ou Cristiano Ronaldo, são desejos e sonhos, bonitos para crianças e adolescentes, que em casos assim apenas aliviam um caminho árduo, sem brilho ou fama.

                Senti pena de ambos, pois não creio de forma alguma que futebol deva ser a única possibilidade desses guris vencerem a miséria. Não acredito que esporte qualquer seja, deva ser uma "profissão"; para atuar em um clube de futebol ou de voleibol, a filiação deveria ser algo voluntário e, por isso, sem possibilidade alguma de remuneração. Não deveria nem haver ajuda de custo: você pratica determinado esporte porque gosta, e fim de conversa. Todos as crianças e adolescentes deveriam sim ter acesso a uma educação de qualidade equivalente a alemã ou finlandesa, e especialmente as oriundas de famílias pobres ou miseráveis, a preferência para a admissão em curso do SENAI, a fim de que com 21, 22 anos, tenham chances mais concretas de um emprego.
                Há os que, após lerem isso, pensarão que sou preconceituoso e não desejo que esses jovens consigam chegar à universidade. De modo algum: se é isso que eles querem também os apoio, o Governo Federal mantém o Fies. Porém, creio que esses já quase adultos que querem suplantar a pobreza ou a miséria precisam primeiramente, prioritariamente, de emprego e salário, e para isso, carecem de uma formação qualificada, adequada, e em um espaço de tempo mais curto do que o mundo acadêmico lhes oferece. E trabalhar na indústria, em uma linha de produção não é demérito, degradação alguma, isso não passa de um pensamento burguês, de gente que ainda herda uma característica da cultura ibérica: ser avesso ao trabalho, especialmente se este exigir esforço físico em qualquer grau; pessoas que se consideram "progressistas" ainda alimentam tal ideia.


                Não imagino o que será daqueles dois adolescentes, se conseguirão, por um capricho do destino, serem admitidos pelo clube. É provável que, mesmo que o responsável naquele momento tenha algum número de telefone para contato, não vá chamá-los para teste algum. E tendo essa ilusão estilhaçada, terão uma vida difícil.

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