Neste sábado último (escrevo no
domingo, 30-08-15), eu me dirigia a um ponto de ônibus, com o intuito de voltar
para casa, após uma não muito necessária ida a um supermercado, quando passei
por um clube de futebol; um clube de futebol amador, digamos assim, voltadopara as chamadas "categorias de base" (sub-17, sub 16...) e
vislumbrei, além do homem responsável pelo clube naquele momento, uma senhora e
mais dois guris, adolescentes provavelmente com idades entre quatorze e
dezesseis anos de idade. Deveriam estar "fazendo ficha no clube", ou
tentando saber como as coisas funcionam para serem admitidos em seus quadros.
Aí me dei conta: tentariam o futebol. Ou melhor: se entregariam à ilusão que o
futebol proporciona.
Eu
apenas posso imaginar motivos para tentar uma carreira nesse esporte: ajudar
uma família possivelmente de pouquíssimas posses, ou jogar a sorte por
acreditarem que será uma saída profissional devido a possivelmente terem
passado por uma educação pública de qualidade ruim, ou ainda pela ambição de
obter o status, a fama e o dinheiro que conseguem os grandes expoentes do
futebol, como Cristiano Ronaldo. Olhando de vislumbre aquela cena, estava claro
(pela aparência deles) que certamente estavam ali por um dos dois primeiros
motivos que mencionei antes, senão pelos dois complementarmente.
Senti
pena daqueles dois adolescentes. Crer que um clube de sede exígua como aquele
seria a "porta de entrada" para uma "redenção" familiar ou
profissional é fruto de ingenuidade ou de desespero, e eu prefiro crer no
desespero, em casos assim. Precisarão mostrar algum talento para serem
aprovados e integrarem as equipes do clube; aquele não é um clube grande como o
Vasco, que tem seu próprio "networking": uma rede de empresários,
agentes, procuradores, olheiros e escolinhas, a fim de selecionar meninos
capazes de jogar futebol em um bom nível para atuarem nas categorias de base e,
em dado momento, chegarem ao time profissional.
Senti
pena dos dois, porque quase certamente, se conseguirem ser aprovados e jogarem
no sub-alguma coisa do clube, o máximo que alcançarão é atuar em clubes que
disputam a Série C do Campeonato Gaúcho, é isso que lhes espera. Depois de
jogarem profissionalmente por doze, treze anos em clubes desse patamar,
voltarão à estaca zero, sem qualquer formação profissional e sem ter tido
ganhos financeiros que lhes permitissem constituir um patrimônio expressivo e
uma acumulação considerável de dinheiro.
Seleção
Brasileira, Benfica, Atlético de Madri, ser um "novo" Neimar ou
Cristiano Ronaldo, são desejos e sonhos, bonitos para crianças e adolescentes,
que em casos assim apenas aliviam um caminho árduo, sem brilho ou fama.
Senti
pena de ambos, pois não creio de forma alguma que futebol deva ser a única
possibilidade desses guris vencerem a miséria. Não acredito que esporte
qualquer seja, deva ser uma "profissão"; para atuar em um clube de
futebol ou de voleibol, a filiação deveria ser algo voluntário e, por isso, sem
possibilidade alguma de remuneração. Não deveria nem haver ajuda de custo: você
pratica determinado esporte porque gosta, e fim de conversa. Todos as crianças
e adolescentes deveriam sim ter acesso a uma educação de qualidade equivalente
a alemã ou finlandesa, e especialmente as oriundas de famílias pobres ou
miseráveis, a preferência para a admissão em curso do SENAI, a fim de que com
21, 22 anos, tenham chances mais concretas de um emprego.
Há
os que, após lerem isso, pensarão que sou preconceituoso e não desejo que esses
jovens consigam chegar à universidade. De modo algum: se é isso que eles querem
também os apoio, o Governo Federal mantém o Fies. Porém, creio que esses já
quase adultos que querem suplantar a pobreza ou a miséria precisam
primeiramente, prioritariamente, de emprego e salário, e para isso, carecem de
uma formação qualificada, adequada, e em um espaço de tempo mais curto do que o
mundo acadêmico lhes oferece. E trabalhar na indústria, em uma linha de
produção não é demérito, degradação alguma, isso não passa de um pensamento
burguês, de gente que ainda herda uma característica da cultura ibérica: ser
avesso ao trabalho, especialmente se este exigir esforço físico em qualquer
grau; pessoas que se consideram "progressistas" ainda alimentam tal ideia.
Não
imagino o que será daqueles dois adolescentes, se conseguirão, por um capricho
do destino, serem admitidos pelo clube. É provável que, mesmo que o responsável
naquele momento tenha algum número de telefone para contato, não vá chamá-los
para teste algum. E tendo essa ilusão estilhaçada, terão uma vida difícil.
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